terça-feira, 12 de julho de 2005

João Aguiar encerra o percurso de futebolista

É verdade.
Nesta altura de pré-época dos campeonatos de futebol, registamos a notícia de que o João Aguiar decidiu-se por encerrar o seu percurso como futebolista aos 30 anos.
Publicamos de seguida uma entrevista a este biscoitense, realizada pelo jornalista Mateus Rocha, do Diário Insular (edição de 20/Junho/2005).
DI/D: Actuar no regional ou abraçar o futsal, como acontece com muitos antigos jogadores do futebol de onze, são possibilidades em aberto?JA: Sobretudo o futsal. Para já, o futebol regional não me seduz, embora tenha havido uma ou outra abordagem para saber quais eram as minhas expectativas para a próxima época. Estou determinado em parar com aquilo que mais gosto de fazer, jogar futebol com obrigações e compromissos, para ter maior disponibilidade de tempo para aqueles que mais gostam de mim – a família, claro. Assim, creio que o futsal será a opção lógica para manter alguma actividade desportiva. Todavia, é minha intenção ficar ligado ao desporto, pois é algo que me corre nas veias. Basta dizer que desde os 12 anos que pratico desporto. Fui jogador de andebol, modalidade bastante enraizada nos Biscoitos, durante sete anos. O futsal será, por enquanto, o elo de ligação com o desporto, até porque estou a terminar o Campeonato do Inatel pela equipa dos Biscoitos.
JA: Penso que fiz aquilo que deveria ter feito. Não gosto de chamar carreira, mas sim percurso. No início, quando temos 16/17 anos, sonhamos muito alto. Na altura, tinha dois grandes amigos, o Paulo Rui, que é meu primo, e o Chalana, que era dos Biscoitos, que funcionavam como as minhas principais referências. Curiosamente, realizei o mesmo percurso de ambos. Fazendo uma comparação, embora subjectiva, com outros grandes jogadores que actuam e/ou actuaram no nosso futebol e que também não deram o “salto”, estou deveras satisfeito com o meu percurso. Procurei sempre fazer uma avaliação consciente das minhas capacidades. Sabia quais eram as minhas carências e/ou limitações, mas também tinha a perfeita noção das qualidades que possuía. Por isso, apesar de sonhar sempre (e é importante sonhar, especialmente quando se é jovem, para se ter motivação e ultrapassar as adversidades), trabalhei todos os dias com o objectivo de chegar o mais longe possível. Deste modo, sinto que joguei na divisão que merecia. No fundo, estou satisfeito e orgulhoso, pois actuei nos três melhores clubes da ilha Terceira e nos seus campos míticos: o velho pelado da Praia da Vitória, a “catedral” do estádio João Paulo II e o velhinho municipal de Angra do Heroísmo – na altura, o desejo de qualquer jovem. Representei o Praiense com muita alegria. Depois fui para o Lusitânia, onde efectuei a minha melhor época e tive o prazer de competir no exigente Campeonato Nacional da Segunda Divisão “B” – Zona Sul. Não da forma que pretendia, devido a uma pubalgia, mas a verdade é que estive lá e, inclusive, marquei um golo. Mais tarde, ingressei no Angrense. Se tivesse começado a jogar futebol mais cedo, e não aos 16 anos, poderia ter alcançado outro nível. Todavia, creio que teria sido difícil almejar a patamares superiores. Falo, por exemplo, em atingir a Liga de Honra ou a Super Liga. A verdade é que estou satisfeito com aquilo que consegui. Dei tudo o que tinha em prol da modalidade. Mais seria impossível, embora quando se trabalha com seriedade, como fiz desde a primeira hora, se possa esperar mais qualquer coisa.
JA: No plano positivo, a chegada ao Praiense, numa altura em que poucos me conheciam. As pessoas ligadas ao futebol regional sabiam quem era o João Aguiar, mas para quem acompanhava apenas o futebol nacional eu era um ilustre desconhecido. No entanto, consegui ganhar um lugar na equipa. Posteriormente, no Lusitânia tive oportunidade de conquistar a Série Açores – o meu único título nacional –, realizando uma excelente temporada e integrado num plantel recheado de valores indiscutíveis. Fui um dos elementos mais utilizados e considerado pelo jornal “Diário Insular” a revelação do Lusitânia naquela época. Também não esqueço a entrada no Angrense, onde estabilizei e ganhei imensos amigos. Quanto aos aspectos negativos, a pubalgia que sofri no Lusitânia. Estávamos na Segunda Divisão “B” e apostava bastante naquele ano. Tive que parar quatro meses e nunca mais consegui recuperar o nível inicial. No ano seguinte, regressei ao Praiense, ainda não completamente curado. O treinador não me entendeu bem e acabei por não efectuar a almejada recuperação, o que só aconteceu quando ingressei no Angrense. Ainda no Praiense, fracturei três dedos. Como tal, vivi uma época para esquecer. Acima de tudo, guardo destes 15 anos ao serviço do futebol as amizades e o convívio com os dirigentes e colegas. Orgulho-me de ter feito grandes amigos. Isto é que fica para o futuro. O resto é efémero, como a própria vida.
JA: Como referi, a época não me tinha corrido de feição, uma vez que ainda não estava completamente restabelecido da pubalgia. Inclusive, ponderei a hipótese de colocar um ponto final no meu percurso enquanto futebolista. Tinha casado há pouco tempo, já era pai, e a minha ligação ao futebol implicava a ausência de algum apoio familiar. Porém, creio que houve um problema de comunicação entre as duas partes. Ou não me perceberam bem, ou, então, não me fiz entender da forma mais conveniente. A verdade é que nunca consegui recuperar. Fazia o mesmo tipo de trabalho dos colegas, ou seja, levava as cargas de treino necessárias para um atleta se apresentar bem ao fim-de-semana; mas como não estava recuperado, nunca me cheguei a apresentar em condições. Mesmo assim, ainda realizei três ou quatro jogos de qualidade. Para cúmulo, diante do Angrense, fracturei três dedos. Quando estava na firme disposição de abandonar a modalidade, o Sr. José Guilherme Bendito convidou-me a representar o Angrense. Expliquei-lhe a minha situação e desde logo recebi a garantia que o clube, sobretudo através do treinador Paulo Henrique Alves e do massagista Fernando Freitas, tudo iria fazer no sentido da minha recuperação plena. Conversei com estes dois elementos e foi-me assegurado que iria ser alvo de um trabalho específico para curar de forma definitiva a pubalgia, único meio de regressar ao melhor nível à competição. Em boa hora acreditei neles e quero aproveitar a oportunidade para lhes agradecer do fundo do coração. Fiz uma pré-temporada com as cargas adequadas, o que me possibilitou uma época bastante razoável.
JA: Atendendo a este quadro, é que continuei a jogar futebol. Claro que se tinha dito aos directores do Praiense que ia acabar a carreira e depois apareço a jogar noutro clube, é natural que não tenham ficado satisfeitos. Foi a opção que tomei e assumo as responsabilidades daí inerentes. Penso, no entanto, que fiz a escolha correcta, pois acabei por efectuar mais quatro épocas num patamar sobremaneira positivo. Recuando um pouco no tempo, apesar do mal-entendido resultante da minha última passagem pelo Praiense, ainda recordo com alegria os momentos vividos quando cheguei ao clube proveniente do regional – Recreativo da Agualva – e iniciei o meu percurso no Campeonato Nacional da Terceira Divisão. Isto sem esquecer os amigos que deixei na Praia da Vitória, mesmo entre os antigos directores do clube. Quando nos encontramos, é sempre motivo de regozijo. DI/D: Em jeito de conclusão, que conselho quer deixar aos leitores desta entrevista, nomeadamente aos mais novos?JA: Antes de mais, gostava de agradecer à direcção do Angrense a homenagem que me prestou no último encontro da Série Açores. Uma palavra de apreço também para os sócios e simpatizantes do clube que sempre me apoiaram e para aqueles que, no dia-a-dia, me deram ânimo para que continuasse. Para todos os colegas, um abraço sincero de amizade. Claro que não posso deixar de fora a família, principalmente a minha mulher. Jamais deixei de receber carinho, amor e compreensão. No futebol, como no desporto em geral, lutamos todos pelo mesmo objectivo. Falhamos golos, perdemos jogos, somos expulsos, os nervos muitas vezes ficam à flor da pele, todos os dias corremos, mesmo debaixo de chuva, trovoada e vento, entre tantas outras adversidades próprias do desporto. Porém, o mais importante é que, quando se termina uma carreira, ou percurso como eu gosto de chamar, tenha ficado algo mais forte do que essa luta diária – a amizade. A minha mensagem para os mais jovens é que acreditem sempre que podem concretizar os seus sonhos. No entanto, para se concretizar aquilo que se sonha é importante escolher os caminhos certos. Como tal, o álcool e a droga não são compatíveis com a vida de um desportista. Sinto-me um privilegiado, porque, graças a Deus, sempre consegui andar longe dos caminhos menos bons, o que, infelizmente, não aconteceu com todos os colegas que conheci.
Da nossa parte registamos os sinceros parabéns por este magnífico percurso do João Aguiar, certos de que os seus voos enquanto futebolista apenas não foram ainda mais altos apenas por questões inerentes ao facto de o seu talento não ter sido descoberto por clubes de outras paragens e dimensão.
Também os desejos de muitas felicidades na sua vida, incluindo nos projectos desportivos que abraçar.

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